Conjuro-te, pois, diante de
Deus e do Senhor Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos, na sua
vinda e no seu Reino, que pregues a palavra... com toda a longanimidade e
doutrina. Porque virá tempo em que não sofrerão a sã doutrina; mas, tendo
comichão nos ouvidos, amontoarão para si doutores conforme as suas próprias
concupiscências. 2 Timóteo 4.1-3
Estamos na cidade de Reteté
da Glória, onde ocorre anualmente um grandioso e tradicional congresso. Pessoas
não param de chegar. Pregadores e cantores disputam lugares junto à tribuna,
pois — como diz um ditado — quem não é visto não é lembrado. E nada melhor do
que o grande Congresso de Reteté para promover ilustres quase desconhecidos e
enriquecer ainda mais o currículo dos famosos...
(Atenção: a leitura em voz
alta dos nomes dos personagens contidos neste texto facilitará a sua
compreensão.)
É o primeiro dia do
congresso, e a expectativa aumenta momentos antes da primeira reunião, no
período da tarde.
— Quem será o pregador? —
pergunta a irmã Marionete, no meio de uma multidão de irmãos vindos de várias
cidades, os quais se acotovelam, a fim de encontrarem um lugar
"confortável" num espaço que sempre recebe quase o dobro de pessoas
para a sua capacidade.
— Vi na Internet que estão na
programação os pastores José dos Clichês, Edson Alto, Antônio Grito e Joedsnei
Lândia — responde o seu esposo, o irmão Títere. — Mas eu tô querendo saber quem
vai pregar hoje à noite.
— Eu também — diz Marionete.
— Esses pastores têm vindo em todos os congressos e já deram o que tinham de
dar. Eu queria saber se não há nenhuma novidade...
— É mesmo, Nete? — responde
surpreso o marido, que, devido ao seu trabalho, comparece ao congresso pela
primeira vez, aproveitando as suas férias.
— É claro, Tite. O Zé dos
Clichês no ano passado pregou de novo aquela mensagem sobre sonhos e enfatizou
outra vez que crente que tem promessa não morre. Já o Edson Alto ficou o tempo
todo pedindo para o rapaz aumentar o retorno. No meio da pregação, inclusive,
ele afirmou que um demônio instalara-se nos equipamentos de som. Quer saber? Eu
acho que ele tem é problema de audição...
— E o Antônio Grito foi bem?
— Ah, o pastor Grito tem mais
conteúdo, porém, ao contrário do Edson Alto, possui uma voz tão estridente que
o controlador tem que ficar diminuindo o som toda vez que ele resolve dizer
"Receeeebaaaa". Sabia que um irmão à minha frente estava até usando
um protetor auricular? — risos.
— Não sei o que é pior, Nete,
o pregador que pede para aumentar o volume além da conta, ou o que berra ao
microfone... Pobres dos nossos tímpanos — risos.
— O pastor Joedsnei Lândia
você conhece, né? É aquele que fica o tempo todo falando contra desenhos
animados, filmes, brinquedos, bonecas, casas de hambúrgueres, etc.
— Ahã... Eu até acho
interessante o alerta que ele faz — responde Títere. — O problema é que ele, ao
fazer isso, deixa de lado a exposição da Palavra.
— É verdade. Mas eu soube que
o evangelista Eli Cóptero também vem — continua Marionete. — Esse até que não
grita muito...
— É mesmo? Não é aquele que
gira o paletó em cima da cabeça? — pergunta Títere.
— Isso. No último congresso
ele foi o grande destaque. No encerramento, além de pular e rodopiar, ele jogou
o paletó no chão... Fogo puro. Ficamos todos maravilhados. Foi realmente
tremenda aquela noite...
— Mas, Nete, ele pregou sobre
o quê? O Elisafã Toche — primo de Marionete — me contou que foi grande o
reboliço, mas não soube explicar o que foi pregado... É a minha primeira vez
nesse congresso e acho estranhos esses seus relatos.
— Olha, querido, o que Eli
Cóptero falou especificamente eu não sei, porém o reteté foi bom demais... Eu
me lembro de que o tema do congresso era "Como ser um sonhador neste novo
milênio", e ele disse uma frase muito impactante: "Deus destruirá
todos os inimigos que tentarem matar os seus sonhos".
Não são apenas Títere e
Marionete que conversam, riem e transitam no local destinado aos cultos, ao som
das canções dos CDs dos grupos Queimando o Incenso e Animação Profética. Muitos
crentes, à semelhança de torcedores aguardando um grande jogo de futebol,
mostram-se ansiosos e impacientes. Mas, em meio ao zunzunzum da multidão, o
pastor Joselito Lerante resolve assumir o microfone para dar início à reunião.
— A paz do Senhor, irmãos!
— Améém!
— A paz do Senhor, irmãos!
— Amééééém!
— Eu disse "A paz do
Senhor, irmãos!" Onde está o povo do reteté? Os canelas de fogo já
chegaram?
— Amééééééééém!
— Ah, agora sim! Quantos
estão aqui, nesta tarde, para receber uma bênção? Levante a mão e diga
"Glória a Deus".
— Glóóóóóória a Deus! —
responde o povo, com as mãos levantadas.
— Quantos crêem que durante
esse congresso receberão grandes bênçãos materiais e espirituais, como chaves
de carros, casas, apartamentos... e muita, muita unção pra fazer o Inimigo
ficar apavorado?
— Amééééééém!
— Então mantenha a sua mão
levantada e ore comigo. Pai, neste momento em que estamos dando início a esse
grande congresso, ordenamos que todas as artimanhas satânicas sejam quebradas.
Pedimos que os seus anjos sobrevoem esse ginásio com brasas vivas. Determinamos
que os demônios fiquem distantes desta cidade. E, se houver algum demônio
maluco, pois só pode ser doido para estar neste lugar, que seja queimado
agoooooooora... — sons de aleluias, glórias a Deus e brados não inteligíveis.
Após essa primeira oração,
uma parte da multidão, acostumada com o evento, agita-se, enquanto outra se
divide em vários grupos: céticos, desconfiados, curiosos, decepcionados...
— Eu declaro aberto esse
congresso. Vamos neste momento convidar o nosso grupo de louvor — diz o pastor
Joselito Lerante.
O grupo então se posta, e o
seu líder e vocalista, o irmão Dan Sá, assume o microfone, ao som de
performances isoladas de cada músico, enquanto os coreógrafos permanecem atrás
do palco, aguardando o sinal para entrarem.
— Quantos estão alegres? —
pergunta Dan Sá, saltitante e sorridente.
Muitos levantam as mãos e
dizem "amém", e ele prossegue:
— Nesta tarde já posso sentir
o mover de Deus! É tarde de milagres! Aleluiaaaaaa... Uhuuuuu... Tire o pé do
chããããão...
Esse foi o sinal para os
músicos do grupo começarem a tocar um axé daqueles, acompanhado de uma
coreografia bastante animada, levando boa parte da multidão a cantar e a dançar
com muita vibração.
Após alguns
"louvores", o pastor pede para todos permanecerem em pé para a
entrada das bandeiras. A reverência enfim toma conta do ambiente no momento da
execução do Hino Nacional, e o culto prossegue...
— Vamos agora convidar as
irmãs Ana e Mada para louvarem a Deus — diz o pastor Joselito Lerante.
Depois de apresentarem alguns
"corinhos de fogo", em ritmo de forró, Ana e Mada devolvem o
microfone ao pastor, que dá continuidade ao congresso...
— Neste momento queremos
fazer as apresentações dos visitantes. Já estão conosco alguns preletores de
nosso congresso: os pastores José dos Clichês, Eli Cóptero, Joedsnei Lândia,
Edson Alto e Antônio Grito. Estamos aguardando a chegada do pastor Caio Riso,
que já está na cidade e será o preletor nesta tarde. Como vamos saudá-los?
Fiquemos de pé...
— Sois bem-vindos em nome de
Jesus e voltem sempre! — brada a multidão.
Feitas as apresentações, o
pastor "puxa" o corinho "Visitante seja bem-vindo",
enquanto Marionete, surpresa, diz a Títere que não conhece o pregador da tarde.
O pastor então chama mais uma vez o grupo de louvor, pedindo a Dan Sá que cante
e anime o povo até que o pregador chegue (este pedira para ficar no hotel, ao
lado do ginásio, até minutos antes da pregação, mas já estava atrasado em mais
de trinta minutos em relação ao horário que combinara com a direção do evento).
— Você está alegre nesta
tarde? Então dê um abraço no seu irmão — diz o líder do grupo de louvor. — Nós
vamos agora celebrar com júbilo ao Senhor, com tudo o que há em nós. Não
permita que o irmão, ao seu lado, fique parado. Assim como Miriã e Davi
dançaram, nós vamos fazer isso agora...
O pastor pede para alguém ir
buscar o preletor, e os músicos começam a tocar. O grupo de coreografia também
entra em ação, e alguns integrantes pulam e levantam as pernas de modo
alternado; outros rodopiam no palco, tudo de maneira sincronizada. O público
vibra, e o momento preparatório de "louvor" para a pregação
estende-se por longos trinta minutos, quando enfim o preletor aparece.
— Agora vamos a um momento
muito especial do culto — diz o pastor Joselito Lerante. — É a hora de
semearmos. E sabemos que, quando contribuímos para a obra de Deus, estamos
plantando no campo material para receber bênçãos materiais e espirituais.
O pastor lê 2 Coríntios 9,
ora com o povo e convida a cantora Ana Gita, que já assume o microfone
gritando:
— Uhuuuuu... Eu quero ouvir o
povo de Deus cantar comigo!
— Uh, uh, uh, uh, uh, uh... —
o povo responde, ao som de uma introdução instrumental bem ritmada, e ela
inicia a sua performance, dançando e entoando a canção "Restituição para
os que semeiam".
No meio da efusiva multidão,
o irmão Títere, mesmo confuso, ao ver todos à sua volta gritando e dançando,
une-se a Marionete...
Enfim, chega o tão esperado momento.
O pastor chama o seu filho, o presbítero Irineu Ófito, para orar. E, quando
todos pensam que ele fará isso, ocorre o inesperado. Ansioso para apresentar o
seu novo CD de mensagens, Neófito — como é chamado por seu pai — aproveita a
oportunidade para fazer uma revelação pra lá de estranha.
— Eu estava orando pela
manhã, e Deus me disse que, neste dia, Ele levantaria cem irmãos que comprariam
o meu CD. Quantos aqui têm coragem de abençoar o meu ministério? Não resista ao
chamamento do Espírito Santo.
Alguns irmãos, como Títere e
Marionete, acabam murmurando, porém outros, prontamente dirigem-se à tribuna
para adquirir o CD "É muita unção", de Irineu Ófito, que se
auto-intitula conferencista internacional... Bem, esse momento comercial dura quase
vinte minutos, e o povo, cansado, perde um pouco do ânimo para ouvir a pregação
da tarde...
— Olha, Nete, tomara que o
culto da noite não seja tão agitado. Eu não imaginava que fosse assim...
— Calma, Tite. Você nem
parece que gosta do reteté? As coisas são assim mesmo. É o Espírito Santo quem
dirige isso aqui, sabia?
Enquanto eles conversam,
Neófito ora e entrega o microfone ao pastor Caio Riso, que, aparentando certa
irritação, ironiza:
— Eu pensei que hoje não
teríamos pregação, pastor Joselito — risos. — A-le-lu-ia — diz, em tom de
deboche.
Enquanto Caio — um tanto
obeso — suspende a calça, olhando para o povo e os obreiros do púlpito, muitos
começam a dizer aleluias e glórias a Deus. Fica patente a facilidade que o
pregador tem de cativar o público.
— Eu quero cumprimentar o
povo de Deus com a sacrossanta paz do Senhor, amém?
— Amééééééééém!
— é bom estar de novo nesse
congresso. No ano passado eu não pude estar aqui porque fui levar fogo a vários
países da Europa... Aqueles alemães, franceses, italianos e portugueses agora
sabem o que é a unção da loucura... — risos. — Bem, antes de lermos uma
passagem da Bíblia, abrace pelo menos três irmãos e diga-lhes: "É bom
estar nesse congresso".
Caio Riso então suspende a
calça novamente, faz o povo ler com ele o texto de João 14.12 e brada:
— Nesta tarde, este lugar vai
tremer! Você já pode começar a mandar glória para cima, pois Jeová já está
mandando poder para baixo. Coisas maiores do que as feitas por Jesus nós
faremos agora. Se o seu cabelo começar a crescer, não fique preocupado; se o
seu vestido justo ficar solto no corpo, irmã que se sente gorda, isso tudo é
coisa nova para nosso tempo. Receeeeeebaaaaa...
O povo alvoroça-se, e o
presbítero Neófito é o primeiro a começar a rodopiar na tribuna. Vários
cantores e pastores o acompanham. E o pregador continua:
— Mas eu não vim aqui somente
para pregar milagres. Tem fariseu aqui neste altar!
— Êta, Jeová! Fala mesmo, meu
Pai! — grita a irmã Marionete, enquanto o seu esposo, Títere, cabisbaixo,
parece estar preocupado.
— Hoje Jesus vai quebrar as
suas pernas! — diz o pregador. — Prepare o lombo, fariseu! Você que vive
julgando o sobrenatural de Deus, que despreza os sinais desta última hora,
nesta tarde você vai conhecer a unção da loucura de Deus! Receeeeebaaaaaa... — sons
de línguas não inteligíveis por parte do pregador, dos obreiros do púlpito e da
multidão. Algumas pessoas começam a cair...
E o pregador prossegue:
— Encosta aí testa com testa.
Olha dentro do olho do seu irmão e lhe diga: "Satanás, você está
derrotado".
Inconformado, Títere não
obedece ao pregador e diz à Marionete:
— Que é isso? Eu vou dizer
para você essas palavras?
— Não é para mim, Tite, é
para o Diabo.
— Mas, Nete, por que eu tenho
de falar isso olhando para você?
— Tá bom, tá bom; preste
atenção à mensagem.
O pregador, então, segurando
a mão do pastor José dos Clichês, lhe pergunta:
— Tem sapato de fogo? Tem
sapaaaato?
E, vendo Clichês balançar a
cabeça positivamente, sopra sobre ele, e... Bum! O famoso pregador das frases
de efeito estatela-se no chão.
— Pule, pule, pule! —
continua Caio Riso. — Pule com um pé só! Pule! Não se importe com que vão
pensar de você. Pule, pule, pule! Receeeebaaa...
Ao som de línguas não
inteligíveis, aleluias, glórias a Deus e outras expressões, ele prossegue:
— Já tem cabelo crescendo aí?
Veja se tem dente de ouro em sua boca.
Títere está admirado, pois
ainda não houve propriamente uma pregação, e o povo parece não sentir falta
disso. O importante para todos é o reteté...
— Nesta tarde, Deus vai
batizar com o Espírito Santo. Quem aqui no púlpito tem sapato de fogo? Eu quero
ver. Levante a mão. Venham até aqui. Eu vou ungir a mão de vocês, e a minha
unção vai passar para cada um.
O pregador então declara que
a sua unção está sendo transmitida àqueles obreiros e lhes ordena:
— Desçam agora e coloquem a
mão na cabeça de quem não é batizado. O milagre vai acontecer
agoooooooraaaaa... Receeeeebaaaaaa...
Muitos caem; alguns ficam
inertes, outros, parecendo estar energizados, movimentam-se rapidamente...
Títere continua preocupado. Ele nada sente e está incomodado pelo fato de o
pregador não expor a Palavra de Deus.
— Se alguém cair perto de
você, pode deixar caído; ele vai receber a cirurgia do céu — afirma o pregador.
Pessoas começam a rolar pelo
chão. Outras andam como se fossem quadrúpedes, emitindo sons estranhos. E ainda
outras permanecem em pé, mas batem os braços, como se quisessem levantar vôo...
— Meu Deus, o que é isso? —
pensa Marionete. Na verdade, nem ela esperava ver o que estava acontecendo...
De repente, o preletor
silencia, levando todos a se calarem.
Após alguns instantes, ele
começa a rir...
— Há, há, há, há, há...
Esse é o momento do culto
mais difícil para Títere e Marionete. Ambos estão confusos, ao ver pessoas
caírem ao chão rindo, rugindo, mugindo... Vários irmãos não concordam com o que
vêem e retiram-se do local. Outros permanecem no lugar, mas, apesar de serem
instigados pelo pregador milagreiro, não se movem.
E assim a reunião da tarde
foi se prolongando, até o pregador entregar o microfone ao pastor Joselito
Lerante. Como as horas estavam avançadas, ele tratou de terminar logo o culto,
avisando os irmãos de que a reunião da noite teria como pregador um amigo seu
de infância, que ele não via há muito tempo...
— Qual é o nome dele, Nete? —
pergunta Títere.
— Não sei, meu bem. Quem
poderia ser?
Muitas pessoas ainda estão
alvoroçadas, como conseqüência da "pregação" de Caio Riso, mas o
pastor Joselito, olhando para o relógio, ora depressa e impetra a bênção
apostólica.
Fim de reunião, na parte da
tarde.
Uma hora depois...
— Nós abrimos este culto em
teu nome, ó Jesus Cristo! ao pequeno e ao adulto, luz divina vem dar por
isto... — o presbítero Ed Jesus, designado pelo pastor Joselito Lerante,
começara o culto no horário com uma oração e já estava cantando um conhecido
hino, acompanhado por alguns músicos que já haviam chegado ao local.
Pessoas vão chegando e
acotovelam-se, disputando um bom local, onde possam ouvir a pregação. A
expectativa é grande, principalmente por se tratar de um pregador novo — boa
parte do povo está no congresso à espera de novidades.
Marionete conheceu no
intervalo entre as duas reuniões a irmã Santa. Ambas nem saíram do ginásio, a
não ser para ir ao toalete, a fim de não perderem o lugar. O mesmo não ocorreu
com Títere, que saiu para comer um sanduíche, e um irmão idoso sentou-se em seu
lugar. Constrangido, fez o certo: preferiu ficar em pé do lado de fora e
acompanhar tudo pelo telão.
— Você conhece o pregador de
agora à noite, irmã Santa? — pergunta Marionete.
— Sinceramente, não, porém
estou orando para Jesus usá-lo poderosamente. O que aconteceu à tarde não me
agradou. Precisamos ouvir a exposição da Palavra, pois o verdadeiro poder do
Espírito Santo ocorre em decorrência da pregação bíblica. Isso eu aprendi com o
meu pastor Alípio Neiro, de saudosa memória, o qual me ensinou que o verdadeiro
culto fervoroso, pentecostal, onde o Espírito Santo de fato age, é o que é
feito com ordem e decência.
— Bem, irmã Santa, eu também
achei estranho o que aconteceu agora há pouco, mas quem somos nós para julgar?
Eu só sei de uma coisa: o pastor Joselito Lerante só convida pregador de
renome. Ele gosta de ver o povo bem satisfeito e animado. Por isso, estou
achando estranho ele não querer divulgar o nome do preletor dessa noite. É
possível que até ele esteja um tanto preocupado com o desempenho do novo
expoente...
Como todos ali estão
acostumados a ouvir famosos conferencistas, que se vestem como astros e se
gabam de ter pregado em inúmeros países — e que costumam chegar em cima da hora
para pregar —, os olhos permanecem fitos no púlpito, a espera de alguém
diferente dos que ali já estão. Há um obreiro sentado ao lado do pastor, mas
ninguém aposta que seja ele o preletor, haja vista a sua simplicidade.
O culto da noite desenrola-se
de maneira similar ao da tarde, até ao momento da Palavra. Entra então em cena
o pregador...
Marionete e Santa precisaram
sair do local porque a segunda, sentindo falta de ar, preferiu ver o culto pelo
telão, e a outra a acompanhou. Por isso, não presenciaram o momento em que o
preletor foi apresentado. Quando se apercebem, ele já está falando...
Decorridos alguns minutos de
sua prédica, a apatia toma conta de quase toda a platéia. A semelhança do que
aconteceu no Areópago, em Atenas — quando Paulo pregou sobre Jesus e a ressurreição
(At 17.18) —, o público fica dividido. Muitos bocejam, outros ficam inquietos,
incomodados. Percebe-se nitidamente, pelas reações das pessoas, que o pregador
não tem habilidade para animar o auditório; sua pregação não é daquelas que
elogiam os crentes, dizendo que são vencedores.
— Só pode ser uma brincadeira
— alguém comenta. — Convidaram esse aí para pregar em nosso congresso? Que
roupa é essa? Ninguém merece! Parece até que esse simplório veio de outro
mundo, com essa roupa surrada...
Outros também opinam, mas só
em pensamento:
— Pregador diferente... Não
se preocupa em produzir um clima favorável. Não nos manda repetir isso e
aquilo... Acho que ele está escondendo o jogo. Daqui a pouco vai começar a
fazer um movimento. Isso aqui tá muito parado — pensa alguém.
— Que pregaçãozinha mais
monótona — pensa outro. — Isso aqui não é lugar para ficar citando passagens
bíblicas. É preciso movimentar esse povão, que tá ansioso pra dar uns glória
(sic).
Entretanto, não é apenas o
estilo do pregador que desagrada a maioria dos participantes do congresso. A
mensagem em si os choca, levando alguns pregadores, apinhados no púlpito, a
fazer comentários duros e precipitados:
— Esse aí definitivamente não
é um pregador de congresso. O povo de Deus está aqui para ser abençoado, e não
para ser repreendido. Pra tudo tem hora. Ah, se fosse eu... Esse povo, com
certeza, já estaria todo agitado, gritando, pulando... Esse pregador não gosta
do reteté.
Mas alguns irmãos alegram-se
com a postura do pregador:
— Fala, Senhor, é isso mesmo
que precisamos — alegra-se a irmã Santa, em tom baixo.
As características do
pregador chamam mesmo a atenção de todos. Ele demonstra ser simples, humilde,
mas fala com muita autoridade. Fala de modo firme, embora não grite como os
famosos animadores de auditório, que, com berros intermináveis, quase derramam
as entranhas pela boca.
Outra qualidade surpreendente
do pregador é a sua seriedade; ele não conta piadas nem faz gracejos; apenas
emprega pertinentes ilustrações. O estranhamento não é para menos; todos
esperavam um pregador que soubesse cativar a platéia, demonstrando a sua
"unção" com gritos "supersônicos" ou conduzindo o povo à
interação por meio da repetição de frases de efeito, do tipo
olhe-para-o-seu-irmão-e-diga-isso-e-aquilo.
Irmã Santa está feliz da vida
com o pregador e sua pregação:
— Ah, se todos fossem assim!
Quem dera os renomados pregadores deixassem de lado as suas extravagâncias e
pregassem o genuíno evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo! Como tenho saudades
daquelas pregações contundentes — vindas do alto — que me faziam chorar,
arrependida por não ser como o Senhor gostaria que eu fosse... Sempre saía do
templo revigorada, renovada, disposta a melhorar a cada dia...
O pregador vai direto ao
assunto. Dispensando qualquer apresentação de currículo — uma prática comum
entre os pregadores famosos —, baseia-se em Isaías 40.3 e põe-se a dizer, com
veemência, que o tema de sua exposição é: "Arrependam-se porque é chegado
o Reino dos céus".
— A mensagem que Deus me deu
para transmitir-lhes não costuma agradar aqueles que vêm aos cultos para
receber bênçãos, e não para oferecer o que têm de melhor ao Senhor. Precisamos
nos converter a Cristo, a cada dia, e seguirmos à santificação, renunciando-nos
a nós mesmos. Vocês estão dispostos a isso? Ou pensam que a vida cristã
resume-se ao recebimento de bênçãos?
Parecendo atender à irmã
Santa, ele continua:
— Arrependam-se? — cochicham
dois obreiros sentados na tribuna. — Quem convidou esse pregador? Ele parece
que nunca pregou em um congresso! Isso não é hora nem momento de falar em
arrependimento. É preciso motivar essa "moçada".
Ao ouvir isso, outro obreiro
responde:
— É verdade. E que história é
essa de dizer que o Reino dos céus é chegado? Jesus pregava isso quando veio à
Terra, e nem por isso o Reino chegou. Paulo e Pedro disseram que o Senhor
voltará, e até agora isso não aconteceu. Por que pregar hoje sobre a Segunda
Vinda, se muitos não conhecem sequer a primeira? Eu acho que nós temos é que
pregar sobre bênçãos materiais e milagres.
Mas o pregador, que não
estava nem um pouco preocupado com o que o povo ou os obreiros à sua retaguarda
estavam achando da mensagem, prossegue:
— Endireitem as suas veredas.
Confessem os seus pecados. Não é tempo de priorizarmos os bens materiais. Temos
de pensar nas coisas que são de cima, onde está o nosso Senhor Jesus. O nosso
Salvador também alerta-nos, em Apocalipse 3.11: "Eis que venho sem demora;
guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa".
No meio do povo há alguns
grupos, seguidores dos mais diversos modismos da atualidade. Sem medo e com
muita convicção, o pregador dirige a esses uma contundente palavra:
— Quem os ensinou a fugir da
ira futura? Produzam frutos dignos de arrependimento. O machado está posto na
raiz das árvores. Toda a árvore que não produz bom fruto é cortada e lançada no
fogo.
Muitos não entendem essa
mensagem, não percebendo que o pregador os estava comparando a árvores, e que
eles deveriam dar bons frutos, isto é, suas obras teriam de agradar a Deus, a
menos que quisessem ser cortados — condenados pelo Senhor, o Justo Juiz. O
expoente, em momento algum, fala de sonhos de Deus, prosperidade material,
tampouco promete bênçãos ao auditório, deixando a maioria das pessoas
insatisfeitas. Seu objetivo claramente é falar de Jesus Cristo, o que não
ocorria há muito tempo no Congresso de Reteté.
— Irmãos, Jesus é maior e
mais poderoso do que eu. Convém que Ele cresça, e que eu diminua — diz ele,
demonstrando sua inteira submissão a Jesus, além de deixar claro que não queria
que o público o admirasse mais do que ao Senhor.
— Ih, já vi tudo... —
cochichou outro obreiro da tribuna. — Esse pregador segue àquela escola
ultrapassada, sem carisma; nem sabe interagir com o público...
Mas ele, cheio do Espírito
Santo e dependendo inteiramente do Senhor, prossegue:
— Esse Jesus batizará com o
Espírito Santo os que se arrependerem e confessarem os seus pecados. Se vocês
fizerem a parte de vocês, Ele fará uma grande obra em nosso meio — sons de
aleluias, glórias a Deus e línguas estranhas, pronunciadas pelo pregador e por
alguns crentes.
Muitos, acostumados com
mensagens de auto-ajuda, ficam confusos, mas alguns abrem o coração, dando
liberdade para o Espírito de Deus agir...
Para quem esperava um
show-man, o pregador não agradou. Contudo, para quem ama a Palavra de Deus, ele
não destoou, falou a verdade sem valer-se de estratégias para animar o
auditório. Ele entregou tudo o que o Senhor lhe deu. E houve resultados, que
muitos não conseguiram ver ou não quiseram admitir...
Chega, finalmente, o momento
da conclusão da pregação. Ele convida os pecadores que desejam receber a Jesus
Cristo como Senhor e Salvador, e as pessoas começam a ir à frente... Muitos
louvam a Deus em alta voz, e o pregador, após fazer uma oração, senta-se sem
nenhum estardalhaço. Nesse momento, a maioria dos pregadores do púlpito põe-se
a criticar a direção do evento por ter convidado um pregador tão comum e sem
graça...
A reunião da noite enfim
termina com um excelente saldo.
Não houve o tal reteté, mas
almas renderam-se a Cristo, crentes foram edificados pela Palavra, e alguns
foram batizados com o Espírito Santo...
Acompanhado de uma comitiva,
o pastor Joselito Lerante pergunta ao pregador:
— Agora nós vamos sair para
jantar. O que o irmão gostaria de comer, pizza ou picanha?
— Bem, para dizer a verdade,
o meu prato preferido é gafanhoto com mel silvestre...
Este Texto e instraido do livro Mais Erros que os Pregadores deve evitar